Análise de trechos Macunaíma Metaplasmos
Divirta-se :)
Do autor Mario de Andrade, analisaremos duas passagens do livro Macunaíma
em que o foco narrativo é em terceira pessoa onisciente, podemos encontrar
partes de intromissão, na forma de eu elíptico, típico do romantismo, sendo
este um romance em prosa, com diálogos e descrições. No enredo, o livro
Macunaíma possui 11 capítulos e um epílogo (ANDRADE, M. p. 18). O primeiro
trecho apresenta português brasileiro, enquanto o segundo, o português de
Portugal, com uma palavra em tupi, o que na sociolingüística é descrito como
substrato, quando a língua nativa do povo dominado praticamente desaparece.
Passagem 1, capítulo 8:
“Macunaíma tremia que mais tremia e o urubu sempre fazendo necessidade em riba dele. Era por causa da pedra
ser muito pequetitinha. Vei vinha chegando vermelha e toda
molhada de suor. E Vei era a Sol.
Foi muito bom para Macunaíma porque lá em casa ele sempre dera presentinhos de
bolo-de-aipim pra Sol lamber secando.
Vei tomou Macunaíma na Jangada que
tinha uma vela cor-de-ferrugem pintada com muruci
e fez as três filhas limparem o herói, catarem os carrapatos e examinarem si as unhas dele estavam limpas. E
Macunaíma ficou alinhado outra vez. Porém por causa dela estar velha vermelha e
tão suando o herói não maliciava que a coroca
era mesmo a Sol, a boa Sol poncho dos
pobres. Por isso pediu pra ela que chamasse Vei com seu calor porque estava
ele lavadinho bem mas tremendo de tanto frio. Vei era a Sol mesmo e andava
matinando fazer Macunaíma genro dela. Só que ainda não podia aquentar ninguém não, era cedo demais,
não tinha força. Pra distrair a espera assobiou dum jeito e as três filhas dela
fizeram muitos cafunés e cosquinhas
no corpo todo do herói.”
O autor Mario de Andrade finalizou a obra Macunaíma em 1928, naquele de momento
havia a busca pela identidade nacional brasileira por parte dos intelectuais,
desde a Semana da Arte Moderna de 1922. Para tanto buscou criar nesta obra o
que chama de rapsodi, a mistura de
diferentes influências, nacionalidades ou mesmo, regionalismos. “Gastei muita
pouca invenção neste poema fácil de escrever (...). Este livro afinal não passa
duma antologia do folclore brasileiro (Mario de Andrade).”
Na busca pela identidade repleta de influências culturais, a quebra com o
português da gramática se faz necessária e é representada pelo personagem
Macunaíma (de origem indígena) na fonalização de palavras.
Na descrição dos traços da cultura brasileira representada pelos termos
usados por Macunaíma, destacamos a presença de uma vasta gama de palavras de
diferentes origens (indígena, africana, nordestina e sulina), além das
expressões que fogem às regras gramaticais numa verdadeira Antropofagia,
definição de Oswald de Andrade para essa mistura cultural brasileira, que deve
ser digerida, e resultar em algo brasileiro por essência. E foi bem aquilo que
Mario de Andrade chamava de “caldo de cultura” na primeira fase do Modernismo
brasileiro, entre 1922 e 1930.
(ANDRADE, M. p. 14-17)
Podemos destacar algumas figuras de linguagem, retórica, metaplasmos e arcaísmos
que enfim causam graça à quem lê. O estilo irônico e crítico do narrador pode
ser observado nas seguintes expressões:
1.
Em riba: Em
cima. origem regional, nordestina.
2.
Tremia que mais
tremia: repetição do termo tremia para enfatizar o fato, recurso
hiperbólico.
3.
Pequetitinha:
Pequeninha. Figura retórica no diminutivo, ironia, eufemismo; Pequetita
conto de Artur Azevedo.
4.
Vei: Velho.
Apócope - supressão do fonema “lha” de velha, e epêntese - adição da vogal i . Termo usado no candomblé,
daí o uso da letra maiúscula, por se tratar de uma divindade.
5.
Sol: na lenda
taulipangue o sol é masculino, porém Mario de Andrade o fez feminino, a Sol,
por influência da forma tupi Coaraci, cuja desinência ci quer dizer mãe.
6.
Pra Sol lamber
secando: é uma expressão que apresenta ambigüidade e prosopopéia, no
sentido que o calor do Sol poderia secar algo lambendo. Neste caso há a
ocorrência do aspecto idílico, surreal,
7.
Muruci:
planta, palavra de origem indígena.
8.
Si: variação
de se, modificada pelo autor para aproximação da fala.
9.
Coroca:
termo de origem tupi, significa louco, caduco, pela idade, disfemismo.
10.
Poncho dos
pobres: Expressão poética: metonímia – o Sol, pois poncho é casaco típico
dos gaúchos e das populações andinas e aquece a todos.
11.
Lavadinho bem:
hipérbato ou inversão de termo, recurso sintático usado pelo autor para dar ênfase
e eufemismo no diminutivo.
12.
Aquentar: Esquentar.
Afêrese - supressão a sílaba a e adição - prótese da vogal a.
13.
Não podia
aquentar ninguém não: negação enfática no fim da frase: hipérbole; negação
no fim da frase - construção típica nordestina.
14.
Cosquinhas: Cosseguinhas.
Síncope, metaplasmo por supressão do fonema “se” e por adição, epêntese do
fonema qui, parecido com gui, neulogismo , de caráter sincrônico.
(CEREJA, W. & MAGALHÃES, T., 2005, p. 413)
Passagem 2, capítulo 9:
“As mui queridas súbditas
nossas, Senhoras Amazonas.
Não pouco vos surpreenderá, por
certo, o endereço e a literatura desta missiva.
Cumpre-nos, entretanto, iniciar essas linhas de saudade e muito amor, com
desagradável nova. É bem verdade que na boa cidade de São Paulo – a maior do
universo, no dizer de seus prolixos
habitantes – não somos conhecidas por “icamiabas”,
voz espúria, sinão que pelo apelativo de Amazonas; e de vós, afirma,
cavalgardes ginetes ginetes belígeros da Hélade clássica; e assim
sois chamadas. Muito nos pesou a nós, Imperador vosso, tais dislates da erudição porém heis de convir conosco que, assim
ficais mais heroicas e mais conspícuas,
tocadas por essa plátina respeitável da tradição e da pureza antiga. Mas não
devemos desperdiçarmos vosso tempo fero, e muito menos conturbarmos vosso
entendimento, com notícias de mau calibre; passemos, pois, imediato, ao relato
de vossos feitos por cá.”
(ANDRADE, M., p. 46)
Este trecho foi escrito em português de Portugal para mostrar erudição
uma vez que o personagem Macunaíma se encontra em São Paulo. Observamos
o uso da modalização epistêmica assertiva em “por certo”; “é bem verdade”, representando
os valores do contexto na produção social, em que o mundo social representa as
normas, as regras.
Algumas palavras são da gramática culta como prolixo que significa tagarela, mas que no Brasil pode ser
considerado arcaísmo. Em missiva:
mensagem; ginete belígero: cavalo de guerra; hélade clássica: nome antigo para
Grécia.
As palavras tem origem indígena são raras, como a palavra icamiabas que vem do tupi (i+kama+iaba): peito partido; índias que
se tornaram guerreiras e não aceitavam mais homens na tribo.
O verbo heis de convir caiu em
desuso no português brasileiro falado e escrito, é arcaísmo, algo que enfatiza
de as diferenças e a dificuldades de compreensão.
Há ainda a menção à distância
entre o português escrito e o falado em “sinão”,
marca do escritor em todo o livro.
Em “São Paulo – a maior do
universo”, notamos o uso do exagero, ou seja, hipérbole que segue em toda a
obra. O subjetivismo, a ironia, a preocupação em retratar a distância do
português de Portugal do português brasileiro segue, dislates da erudição – desvios das regras, conspícua- ilustre, notável; platina - do francês: platine, peça da
armadura.
Bibliografia:
(1) CEREJA, W. &
MAGALHÃES, T. Literatura Brasileira:
Ensino Médio, São Paulo: Atual, 2005
Link para site da apostila resumo e análise de Mário Raul Moraes de
Andrade:
(2) ANDRADE, M. Análise de obras literárias: Macunaíma, Ribeirão
Preto: COC Sistema de Ensino.
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